Quamquam Dolores,Carta do “Papa Pio IX” ao Bispo de Olinda “Dom Vital Maria” contra a Maçonaria.

Venerável Irmão, Saúde e Bênção Apostólica.Conquanto exacerbasse nossas mágoas o que nos expusestes acerca do vírus maçônico por aí de tal sorte derramado, que até as próprias irmandades religiosas tem invadido e algumas delas corrompido completamente; não podemos deixar de louvar a confiança com que depositastes em nosso coração a dor pungente que por este motivo sentis, bem como o zelo com que vos empenhastes e ainda vos empenhais em obviar a tão grande mal. É essa peste antiga, que a seu tempo já foi profligada pela Igreja e denunciada, ainda que sem fruto algum, aos povos e aos seus imperantes, que por causa dela corriam perigo. Já desde o ano de 1728, Clemente XII, de veneranda memória, lastimou em sua Encíclica In Eminenti, de 28 de Abril, “progredissem por toda parte algumas sociedades, vulgarmente chamadas ‘dos maçons’, nas quais homens de todas as religiões e seitas, contentando-se com fementida aparência de honestidade, coligam-se em estreita e impérvia aliança” devendo-se empregar toda a vigilância “para que semelhante gente, como fazem os ladrões, não arrombe as portas da casa, e à maneira das raposas, não tente estragar as vinhas”, proibiu tais conventículos, qualquer que fosse o seu nome, mandando a todo e qualquer fiel deles se afastasse, sob pena de excomunhão incurrenda ipso jacto, sem mais declaração alguma, da qual não possa ser absolvido senão pelo Romano Pontífice, salvo em artigo de morte.Essa Constituição Bento XIV, seu sucessor, depois inseriu-a e mais amplamente explicou-a em sua Encíclica Provida, de 16 de Março de 1751, confirmando as penas e decretos estatuídos pelo seu predecessor. Não obstante, essa ímpia sociedade, dividida em várias seitas, diversamente denominadas, unidas porém pela mesma idéia e pela mesma iníqua maldade, foi sempre crescendo ocultamente até que, largamente propagada, e sobremodo aumentadas as suas forças, rebentando de seus antros, pôde patentear-se e mostrar aos homens assisados com quanta razão fora condenada pelos atalaias de Israel.Tornou-se, pois, patente, pelos seus catecismos, suas constituições e suas obras que é propósito seu acabar com a Religião Católica, e por isso mover guerra à Cátedra Apostólica, centro da unidade; derrubar toda a autoridade humana, constituir o homem autônomo, independente de qualquer lei, desligando-o de todo vínculo de família e unicamente escravo das suas paixões. Bem revelaram este satânico espírito da seita as truculentas revoluções da França que, no fim do século passado, abalaram o mundo inteiro e manifestaram como inevitável a completa dissolução da sociedade humana, se não fossem enfraquecidas as forças dessa tão ímpia seita.Pelo que Pio VII, de santa memória, com a sua Encíclica Ecclesiam, expedida a 13 de Setembro de 1821, não só tornou evidente aos olhos de todos a índole, a malícia, o perigo de tais sociedades, como até reiterou, e com maior gravidade, a condenação e as penas espirituais, contra os seus membros, cominadas pelos seus antecessores. Tudo isto foi depois confirmado, já por Leão XII, de feliz memória, em suas Letras Apostólicas Quo Graviora de 13 de Março de 1826, já por Nós mesmo na Encíclica Qui Pluribus de 9 de Novembro de 1846.Portanto, depois de tão repetidos decretos da Igreja, munidos de gravíssimas sanções, depois de manifestados os atos dessas ímpias sociedades, os quais revelaram os verdadeiros intentos das mesmas, depois das desordens, calamidades e inúmeras carnificinas perpetradas por elas em toda parte e de que insolente e impudentemente se gloriam em escritos públicos; por certo que nenhuma desculpa pareceria aproveitar àqueles que lhe são filiados.Todavia, considerando Nós que estas malvadas seitas não revelam seus mistérios senão àqueles que, por sua impiedade, se mostram aptos e capazes de recebê-los, exigindo, em conseqüência, de seus adeptos, severíssimo juramento, pelo qual eles prometam nunca e em caso algum descobrir, aos não-filiados à sociedade, coisa alguma concernente a ela, e assim também comunicar aos que estão nos graus inferiores aquilo que pertence aos graus superiores; acobertando-se a cada passo com a capa da beneficência e auxílio mútuo, e podendo assim facilmente iludir os incautos e inexpertos com aparência de fingida honestidade; pensamos que se deve achar um modo de usar misericórdia com esses filhos pródigos, cuja ruína deplorais, Venerável Irmão, a fim de que, atraídos por essa brandura, deixem os seus péssimos caminhos e volvam ao grêmio da Santa Madre Igreja, da qual vivem separados.Portanto, lembrando-nos que nós fazemos as vezes daquele que não veio chamar os justos senão os pecadores, julgamos dever seguir os passos de nosso já citado Predecessor Leão XII, e por isso suspendemos, por espaço de um ano, depois que forem conhecidas estas Nossas Letras, a reservação das censuras em que incorreram os que deram o seu nome a estas seitas, podendo ser absolvidos por qualquer confessor, aprovado pelo Ordinário do lugar em que se acham. Mas se este remédio de clemência não servir para afastar os culpados de seu nefando propósito e retraí-los de seu gravíssimo crime, é nossa vontade que, passado o referido prazo de um ano, imediatamente reviva a reservação das censuras que por Nossa Autoridade Apostólica de novo confirmamos; e formalmente declaramos que nenhum, absolutamente, dos adeptos dessas sociedades fique imune dessas penas espirituais, sob qualquer pretexto, quer de sua boa fé, quer da extrínseca aparência de probidade que as referidas seitas soem ostentar. Por conseguinte ficam todos no mesmo perigo de eterna condenação enquanto a elas aderirem.Além disso, vos concedemos pleno poder para procederdes com a severidade das leis canônicas contra aquelas irmandades que por essa impiedade tão torpemente viciaram a sua índole, dissolvendo-as completamente e criando outras que correspondam ao fim de sua primitiva instituição. Praza a Deus que a consideração da perversidade das seitas, nas quais não coram de inscrever-se tantos homens que se arrogam o nome de cristãos, a lembrança dos anátemas com que repetidas vezes foram feridas pela Igreja; a notícia da clemência desta Santa Sé para com os enganados, chegando por meio destas Letras aos ouvidos das ovelhas tresmalhadas, reconduza-as ao caminho da salvação, evite a ruína de tantas almas e vos poupe a necessidade de usar de rigor. É o que nós, com fervorosas preces, pedimos a Deus; é o que ardentemente desejamos ao vosso zelo pastoral; é o que rogamos a todos esses nossos filhos iludidos.E porque os mesmos votos estendemos a todas as demais dioceses desse Império, onde grassam os mesmos males, desejamos comuniqueis estas letras aos vossos Veneráveis Irmãos, a fim de que cada um deles entenda ser dito a si e a seu povo tudo quanto ora vos escrevemos. E ao mesmo tempo que rogamos à Divina Clemência digne-se favorecer os nossos desejos e solicitudes, como presságio do auxílio divino e de todos os dons celestes, e juntamente em penhor de Nossa Benevolência, vos lançamos com toda efusão de nosso amor a vós, Veneráveis Irmãos, e a toda vossa diocese, a Bênção Apostólica.

Dado em Roma, junto a São Pedro, aos 29 de Maio de 1873, 28º ano de nosso Pontificado.

PAPA PIO IX